J. Hudson Taylor
Unir-se a Cristo e permanecer em Cristo –
o que isso nos assegura? Paz, perfeita paz; descanso, repouso constante;
respostas a todas as nossas orações; vitória sobre todos os nossos inimigos;
uma vida pura e santa; e a capacidade cada vez maior de dar frutos.Tudo isso é
o resultado maravilhoso de permanecer em Cristo...
Mesmo assim, muita gente do povo de Deus não conhece o repouso nem a
alegria de permanecer em Cristo; não sabe como obtê-lo nem por que ainda não o
possui. Não são poucos os que se lembram das delícias dos primeiros dias, mas
que, longe de prosseguirem para descobrir herança ainda maior em Cristo, estão
perfeitamente conscientes de que perderam o seu primeiro amor. Tudo que lhes ficou
foi um lamento queixoso: “Onde está aquela bem-aventurança que senti quando
encontrei o Senhor pela primeira vez?”
Há outros que, mesmo não tendo perdido o primeiro amor, sentem que as
interrupções ocasionais à sua comunhão com o Senhor estão se tornando mais e
mais insuportáveis, à medida que o mundo se lhes torna menos importante e a
presença de Jesus mais indispensável. A ausência dele é causa de uma angústia
que cresce mais a cada dia.
“Ah! se eu soubesse onde o poderia achar!” (Jó 23.3). “Beija-me com
os beijos de tua boca; porque melhor é o teu amor do que o vinho” (Ct 1.2).
Você diz: “Quisera que o seu amor fosse constante e forte como o meu, e que ele
nunca retirasse de diante de mim o brilho de sua face!”
Pobre equivocado! Existe um amor muito mais forte do que o seu
esperando-o, um amor que anseia por satisfazer-se. O Noivo é que está esperando
por você; os empecilhos à sua aproximação são todos do seu lado. É só tomar o
seu devido lugar, e você verá como ele terá prazer, como está ansioso por satisfazer
seus desejos mais profundos e suprir todas as suas necessidades!
Que diríamos de uma noiva cuja vaidade e teimosia impedissem não só a
realização de sua própria felicidade, mas também a daquele que lhe entregara
seu coração?
Embora nunca esteja tranqüila em sua ausência, ela não consegue confiar
plenamente nele; tampouco tem coragem de abrir mão de seu próprio nome, seus
próprios direitos e propriedades, sua própria vontade – mesmo em favor da
pessoa que reconhece ser indispensável para sua felicidade. Ela gostaria muito
de receber todo o seu amor e devoção, mas não consegue entregar-se inteiramente
a ele; um, porém, é impossível sem o outro.
Enquanto ela retiver seu próprio nome, jamais terá direito ao nome
dele. Ela não poderá prometer amá-lo e honrá-lo sem, ao mesmo tempo, prometer
obedecer-lhe. E, enquanto seu amor não chegar a esse ponto de total entrega e
rendição, o seu amor será sempre um amor insatisfeito; jamais conseguirá achar
descanso junto ao seu noivo como uma noiva satisfeita. Enquanto conservar sua
vontade própria e o controle de suas próprias coisas, terá de contentar-se em
viver de seus próprios recursos. Não terá direito aos recursos dele.
Poderia haver uma prova mais lamentável da extensão e da dura realidade
da queda da humanidade do que essa profunda e arraigada desconfiança em relação
ao nosso amado Mestre e Senhor? É essa desconfiança que nos faz hesitar na hora
de nos entregarmos completamente a ele, que nos faz temer que ele nos peça algo
além de nossas forças ou exija de nós algo muito difícil de dar ou fazer. A
verdadeira razão de uma vida insatisfeita pode, muitas vezes, ser encontrada na
falta de render-se a Deus.
Entretanto, como tudo isso é tolice e, ao mesmo tempo, um grande erro!
Será que nos imaginamos mais sábios do que ele ou que nosso amor por nós mesmos
é mais carinhoso e forte que o dele? Ou achamos que nos conhecemos melhor do
que ele nos conhece? Como essa nossa desconfiança deve magoar e ferir novamente
seu terno coração, ele que se tornou, por nossa causa, um homem de dores (Is
53.3)!
Quais seriam os sentimentos de um noivo terreno, se descobrisse que sua
noiva amada temia desposá-lo, com grandes receios de que usasse seu poder sobre
ela para tornar sua vida insuportável? No entanto, não é exatamente assim que
muitos remidos do Senhor o tratam! Não é de admirar que nunca estejam felizes
ou satisfeitos!
Mas o verdadeiro amor não fica estacionado; forçosamente, declinará ou
crescerá. Apesar de todos os injustificados receios de nossos pobres corações,
o amor divino é destinado à vitória. A amada exclama: “Suave é o aroma dos
teus ungüentos, como ungüento derramado é o teu nome; por isso as donzelas te
amam” (Ct 1.3).
Não existia nenhum óleo como aquele com o qual o Sumo Sacerdote era
ungido; e o nosso Noivo é um Sacerdote além de ser Rei. A tímida noiva não
consegue desfazer-se totalmente de seus temores; apesar disso, a inquietação e
a ansiedade tornaram-se insuportáveis, e ela decide render-se completamente e
segui-lo, venha o que vier.
Ela lhe entregará o seu próprio ser, a mão e o coração, tudo que é e
tudo o que possui. Nada pode ser mais insuportável que sua ausência! Se ele a
levasse a outro monte Moriá (Gn 22.1-2) ou mesmo a um Calvário, ela o seguiria.
“Leva-me tu, correremos após ti” (Ct 1.4).
Mas oh! o que vem depois? Oh, que maravilhosa surpresa! Não é o Moriá,
nem o Calvário; pelo contrário, é o próprio Rei! Quando o coração se entrega,
Jesus reina. E quando Jesus reina, há descanso. E para onde levará ele sua
noiva? “O Rei me introduziu nas suas recâmaras” (Ct 1.4). Não foi
primeiro para a sala do banquete – isso virá na hora certa (Ct 2.4) – mas antes
para ficar a sós com ele mesmo.
Que perfeição! Algum noivo ficaria satisfeito em encontrar sua amada
somente em um lugar público? Não, ele há de querer ficar a sós com sua noiva –
ter a atenção dela todinha só para si mesmo. E assim ocorre com nosso Mestre:
ele toma pela mão aquela que agora é sua esposa, totalmente rendida, e a leva à
parte para fruir as sagradas intimidades de seu maravilhoso amor.
O Noivo da Igreja está ansioso para entrar em comunhão com seu povo,
muito mais do que este deseja estar com ele, e às vezes chega a clamar: “Mostra-me
o teu rosto, faze-me ouvir a tua voz, porque a tua voz é doce, e o teu rosto
amável” (Ct 2.14).
Não é verdade que estamos mais ansiosos em vê-lo por nossas
necessidades do que para dar a ele alegria e prazer? Mas não deveria ser assim.
Nós não aprovamos crianças que só estão interessadas no que podem obter dos
pais, e nunca pensam no prazer ou na ajuda que lhes podem proporcionar.
Igualmente, não estamos nos esquecendo que agradar a Deus é dar-lhe prazer?
Talvez as palavras “agradar a Deus”, para nós, significavam apenas não
pecar contra ele, nem entristecê-lo; mas o amor dos pais terrenos ficaria
satisfeito com a mera ausência da desobediência? Ou um noivo ficaria feliz se
sua noiva só o procurasse para resolver suas próprias necessidades?
Será oportuno, agora, dar uma palavra sobre as primeiras horas da
manhã. Não há tempo mais bem aproveitado do que as primeiras horas do dia,
quando as dedicamos somente a Jesus. Estamos dando a devida atenção a esse
tempo? Se for possível, resgate esse tempo, pois é insubstituível. É preciso
tirar tempo para andarmos com Deus!
Uma outra sugestão: quando levamos nossas questões a Deus, é comum
passar rapidamente de um pedido a outro, ou sair do nosso tempo de oração, sem
esperar uma resposta. Essa atitude não revela nossa pouca esperança, ou nosso
pouco desejo de obter uma resposta? Será que gostaríamos que nos tratassem
assim? Esperar, em silêncio, diante de Deus, evitaria muitos enganos e muitas
tristezas.
Vemos, então, como a noiva fez uma maravilhosa descoberta, como o
primeiro fruto de sua entrega de si mesma: o Rei – seu Rei – e não uma cruz,
como ela esperava. “Em ti nos regozijaremos e nos alegraremos; do teu amor
nos lembraremos, mais do que do vinho; não é sem razão que te amam” (Ct
1.4).
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